Índio Krahô com pequis (Foto Peter Caton/ISPN)

Por Janaína Diniz

Pequi, buriti, jatobá, cagaita e baru são frutas pouco conhecidas no Brasil, mas elas compõem o grupo gigantesco de espécies nativas que fazem um colorido raro e exalam odores peculiares nos biomas Caatinga e Cerrado.

Apesar de não estarem inseridas no hábito alimentar da maior parte dos brasileiros, o gosto marcante destas espécies chama a atenção da agroindústria para a produção de sucos, geleias, licores, polpas, bolachas, compotas e sorvetes. O rico valor nutricional e medicinal é, cada vez mais, valorizado pela indústria farmacêutica que utiliza as matérias-primas para a confecção de cosméticos e remédios.

Para os pequenos produtores a comercialização das frutas in natura representa um incremento na renda familiar. Mas não apenas o valor comercial, mas também o valor social, histórico e cultural daqueles que trabalham com ele.

Janaína Diniz, professora adjunta da Universidade de Brasília (UnB-Planaltina), na área de Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural e Agronegócios, explica, em artigo produzido para o Cerratinga, que “os valores nutricionais e medicinais conhecidos de frutos se traduzem em muitos outros valores quando se consegue resgatar a sua importância junto às comunidades que os coletam e comercializam”. Como exemplo de agregação de valor, ela cita os diferentes usos atribuídos ao buriti – quando do seu fruto se faz o doce, da sua folha se tira a seda ou a palha ou ainda do seu talo se faz artesanato.

Sobre o Cerratinga e sua importância para a sociedade e os produtores, a pesquisadora fala que “o site proporciona informações de conteúdo e com grande qualidade estética, sobre temas relacionados à sociobiodiversidade dos biomas Cerrado e Caatinga, dando maior visibilidade e fortalecendo as comunidades de produtores dessas regiões”.

Leia abaixo o artigo da Janaína Diniz preparado para o Portal Cerratinga.

Quem agrega valor aos frutos do Cerrado?

Apesar de o Cerrado ser atualmente o bioma brasileiro mais ameaçado de perda de vegetação, seus recursos naturais e sua sociobiodiversidade têm conseguido ter alguns valores reconhecidos, principalmente junto a uma parte da população que é mais informada e que se preocupa com a conservação do bioma e manutenção das comunidades que nele vivem.

Entretanto, para que as ações sejam mais efetivas e duradouras, é importante que mais atores estejam envolvidos nos processos voltados para a agregação e o desvelamento de valores aos frutos do Cerrado, assim como para a promoção do diálogo entre os conhecimentos e valores tradicionais e aqueles que vêm sendo descobertos principalmente a partir do conhecimento científico e tecnológico.

Quando falamos em agregar valor, queremos reforçar que é importante que estes frutos tenham mantidas nas suas comunidades de origem as aplicações tradicionais (alimentar, artesanal, medicinal, condimentar, colorífica, entre outras)1, e que não sejam utilizados apenas para comercialização da produção na condição in natura, ou seja, sem nenhum beneficiamento. É possível ainda que outras aplicações não tradicionais sejam identificadas, agregando valores importantes também para outras pessoas e organizações.

Como exemplo de agregação de valor, podemos citar os diferentes usos atribuídos ao buriti. Quando do seu fruto se faz o doce, da sua folha se tira a seda ou a palha, ou ainda quando do seu talo se faz artesanato, podemos dizer que estamos agregando valor localmente a esse fruto, o que traz implicitamente não apenas o valor comercial, mas também o valor social, histórico e cultural daqueles que trabalham com ele. Porém, quando esse mesmo buriti é vendido in natura para compradores de indústrias de beneficiamento de óleo, a agregação de valor (pelo menos localmente) se mostra mais limitada, pois já não é mais feita próxima ao local aonde o recurso é obtido2. A primeira forma de agregação de valor apresentada pode também ser considerada como um desvelamento de valor, onde desvelar valor se trata de revelar o trabalho e a cultura, a ação e a reflexão humana no processo de produção3.

Ainda, no caso da agregação de valor pela indústria ou outras organizações do mercado, percebidos da mesma forma pelos agroextrativistas, cientistas, empresários e consumidores, estes últimos principalmente nos meios urbanos. As propriedades nutricionais ou medicinais, por exemplo, são intrínsecas a estes frutos e muitas vezes fazem parte do conhecimento tradicional, mas também podem ainda ser desconhecidas no meio científico. Assim, ao se pesquisar e identificar essas propriedades, estamos, em certa medida, desvelando valores já existentes nos diferentes frutos do Cerrado.

Entretanto, devido à forte influência da globalização, que padroniza cada vez mais os hábitos e as culturas locais, mesmo que se tenha a valorização da diversidade do Cerrado por grupos de pessoas com acesso a informações como, por exemplo, sobre as propriedades nutricionais e medicinais, ainda é um grande desafio convencer algumas comunidades locais – principalmente os jovens – de que os produtos que elas estão coletando e comercializando também podem ser importantes para o uso e consumo de suas próprias famílias. O baru é um exemplo disso. Fruto “descoberto” por chefs, médicos e nutricionistas há relativamente pouco tempo, tem tido a sua procura – e preços de mercado – aumentados a cada ano. É muito pouco consumido pela população das regiões de ocorrência, onde ainda é tido como alimento apenas para o gado e sem muita tradição de consumo. E, no entanto, poderia ser um grande aliado da saúde e segurança alimentar das populações locais, ao enriquecer cardápios das escolas e residências nas diversas regiões aonde ocorre no Cerrado. A polpa do baru possui alto teor de fibras, é rica em açúcar, potássio, cobre e ferro, sendo consumida e retirada de preferência com o fruto maduro, fresco ou em forma de doces, geleias, bolos, licores e sorvetes. A castanha deve ser consumida torrada ou cozida, podendo ser usada para enriquecer pães, bolos, bombons, sorvetes, paçocas, granola e barras de cereais.

Assim, os valores nutricionais e medicinais conhecidos de frutos como o buriti, o jatobá, a cagaita, o baru e o pequi se traduzem em muitos outros valores quando se consegue resgatar a sua importância junto às comunidades que os coletam e comercializam. Se as propriedades antioxidantes desses frutos são um dos principais apelos para que atinjam novos mercados, da mesma forma, é importante que sejam identificadas e incentivadas novas formas de aproveitamento pelas comunidades agroextrativistas4, a fim de favorecer o atendimento das necessidades de diversos nutrientes importantes para a população brasileira como um todo5, mas também para as populações locais, que muitas vezes apresentam deficiências desses componentes e enfrentam dificuldades de acesso a médicos e medicamentos.

São muitos os caminhos e as possibilidades para se agregar valores (locais) aos frutos do Cerrado, mas também são grandes as dificuldades e os desafios. Sobre as dificuldades, podemos citar desde as poucas informações e estudos sobre os ciclos produtivos e as propriedades dos frutos do Cerrado, até a dificuldade de padronização dos produtos derivados, devido às diferenças regionais e sazonais, e o preconceito entre as próprias populações locais, que valorizam mais aquilo que vem de fora, do que as riquezas regionais. E sobre as possibilidades, muitas delas verdadeiros desafios, podemos finalizar listando algumas importantes aplicações que atualmente têm sido propostas e que, de forma mais ou menos criativa, podem ser concretizadas junto às comunidades do Cerrado:

– atividades de informação e sensibilização das comunidades locais para a popularização do uso de alguns frutos do Cerrado que são mais valorizados pelas populações de outras regiões: atividades locais que reforcem os valores dos frutos em linguagem mais adequada às comunidades podem ser propostas na ocasião de eventos maiores, de preferência num formato que integre atividades e conhecimentos valorizados localmente, pois muitas comunidades já estão cansadas de receber oficinas e capacitações no formato tradicional.

– organização de festivais ou outros eventos culturais: esses eventos podem ser estratégicos para atrair mais pessoas de fora para conhecerem a cultura e os produtos locais, mas também são importantes para incentivar o uso e o consumo pelas populações locais.

– introdução de frutos do Cerrado na alimentação escolar: a compra de produtos para a merenda escolar junto a agricultores familiares já vem conseguindo resultados surpreendentes. Porém, quando se trata de regionalização da alimentação escolar, ainda são poucos casos em que os agroextrativistas conseguem abastecer regularmente as escolas, não apenas pelas dificuldades de distribuição, mas também pela resistência ou falta de informações dos agentes envolvidos, como nutricionistas, merendeiras e equipes das secretarias municipais de educação.

– incentivo a pesquisas sobre métodos de conservação e processamento dos frutos do Cerrado: os recursos públicos e privados ainda são pouco direcionados para este tipo de pesquisa. É importante que sejam formuladas demandas, não apenas das organizações que representam as populações agroextrativistas, mas também de pequenos e médios empreendedores interessados em investir na agregação de valor a esses produtos.

– atividades e projetos que envolvam os jovens oriundos de comunidades agroextrativistas: trabalhos voltados para os jovens que estimulem a conservação dos hábitos tradicionais do Cerrado, por meio de atividades pedagógicas e culturais, tanto no ambiente escolar e de formação técnica, como, por exemplo, nos diferentes tipos de eventos já mencionados.

– integração de conhecimentos tradicionais das populações do Cerrado com tecnologias modernas ou usos descobertos por outras populações: é o caso de agricultores familiares em assentamentos de reforma agrária que, ao migrarem para áreas de Cerrado, passam a se adaptar à biodiversidade do bioma6 e promovem adaptações para conseguirem trabalhar nesse novo ambiente para muitos.

As atividades de pesquisa, assistência técnica e extensão rural (ATER) e de promoção cultural junto às comunidades agroextrativistas, são, portanto, possibilidades de se agregar valores aos frutos do Cerrado. Alguém tem mais sugestões para agregar (ou desvelar) valores para superarmos os desafios citados? Aqui no Cerratinga podemos começar a falar e a nos mobilizar para isso!

Referências

1 Aquino, F. G.; Ribeiro, J.F.; Gulias, A.P.S.M.; Oliveira, M.C.; Barros, C.J.S.; Hayes, K.M.; Silva, M.R. Uso sustentável das plantas nativas do Cerrado: oportunidades e desafios. In: Parron, L.M.; Aguiar, L.M.S.; Duboc, E.; Souza-Filho, E.C.; Camargo, A.J.A.; Aquino, F.G. Cerrado: desafios e oportunidades para o desenvolvimento sustentável. Planaltina, DF: Embrapa Cerrados, 2008, pp. 95-123.

2 Ploeg, J.D.V. O modo de produção camponês revisitado. In: Schneider, S. (org.). A diversidade da agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006, pp. 13-54.

3 Valente, A.L.E.F. Desvelar valor: contribuição conceitual ao agronegócio. In: Botelho Filho, F.B. (org.). Capital Social, educação e agronegócios. Brasília: UnB/Ceam, v.5, n.21, 2005, pp. 63-70.

4 Zaneti, T.B.; Maciel, A.P.; Barbosa-Silva, D.; Diniz, J.D.A.S. Valorização das espécies vegetais nativas do Cerrado: novos usos e novos mercados. In: 49º Encontro da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (SOBER), Belo Horizonte, 2011.

5 Marin, A.M.F. Potencial nutritivo de frutos do cerrado: composição em minerais  e componentes não convencionais. Dissertação (Mestrado em Nutrição Humana), UnB, 2006.

6 Melo, S.V.C. Extrativismo vegetal como estratégia de desenvolvimento rural no Cerrado. Dissertação (Mestrado em Agronegócios), UnB, 2013.

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