O brasileiro gosta muito de frutas, isso não se pode negar. Nossa terra tropical nos agraciou com a fartura e a diversidade de sabores, que costumam encantar muitos estrangeiros que desembarcam por aqui. Aliás, como temos a maior biodiversidade do mundo, é natural que os brasileiros tirem proveito disso. Mas… será que é assim mesmo?

Se pensarmos quais são as frutas mais consumidas no Brasil, podemos listar: mamão, laranja, abacaxi, abacate, manga, pera, maracujá, caju, pêssego, melancia, maçã, melão, banana, açaí, goiaba, tangerina, coco, uva, morango e limão. É uma bela lista com 20 variedades. Agora, você saberia dizer quais dessas frutas são nativas do Brasil? Acertou quem respondeu que apenas 5 são brasileiras: abacaxi, goiaba, açaí, caju e maracujá. Todas as demais foram introduzidas na época da colonização.

Apesar de nossa mega-biodiversidade, poucas frutas brasileiras conquistaram espaço nos grandes centros consumidores. Algumas são populares nas suas regiões, mas participam de mercados reduzidos. A explicação para isso não é simples, pois envolve questões históricas e culturais. Mas nos dias de hoje pode-se dizer que dois fatores são chave nessa preferência dos brasileiros: o desconhecimento e a falta de acesso ao produto.

O Cerrado e a Caatinga são dois biomas brasileiros que enfrentam esse tipo de invisibilidade. Nessas regiões existem (ainda) muitos frutos nativos, velhos conhecidos das populações tradicionais, mas que infelizmente não participam dos circuitos de mercado. Se você ainda não conhece os sabores autênticos do Cerrado e da Caatinga, a dica é: não deixe para depois, pois pode ser tarde. O Cerrado acumula há décadas a maior taxa de desmatamento no Brasil, há quem diga que nesse ritmo ele pode acabar em 2050. A Caatinga sequer tem um sistema maduro de monitoramento do desmatamento. Frente à destruição contínua das áreas naturais, algumas espécies como o buriti, a cagaita e o umbu se distanciam cada vez mais da mesa dos brasileiros. O “desaparecimento” de um fruto nativo não impacta somente a trama ecológica na qual participa, mas tem impacto também na cultura e no modo de vida das comunidades tradicionais. Essa interdependência entre as espécies e os modos de vida tem sido traduzida no termo sociobiodiversidade.

As comunidades locais e agricultores familiares têm relações cotidianas com esses frutos. Além da grande diversidade de usos alimentares, os produtos do Cerrado e da Caatinga são utilizados também como remédios, material para artesanato, cosméticos, materiais para construção e alimento para as criações. A relação com as espécies é ainda mais evidente entre povos tradicionais e populações indígenas, pois muitos hábitos culturais estão ligados às safras de frutos nativos, como as festas de colheita, rituais de casamento, práticas religiosas/espirituais, vestimenta, culinária étnica, etc.

O aproveitamento direto desses recursos fez com que essas comunidades se tornassem as reais defensoras dos biomas, pois sabem o valor de uso que eles têm. Sabem também que sem as matas nativas a vida do agricultor se torna inviável a médio prazo, pois a agricultura depende diretamente dos serviços ambientais que as matas provêm: água, polinização, manutenção do solo, regulação do clima, etc.

O consumidor pode ter um papel importante na conservação dos biomas e seus recursos. O primeiro passo é conhecer, valorizar e consumir os produtos nativos do Brasil. A valorização econômica do Cerrado e da Caatinga, além de permitir a manutenção da biodiversidade, resulta em geração de renda e melhoria da qualidade de vida para as populações rurais. Muitas vezes os agricultores optam por desmatar por falta de alternativas econômicas viáveis. Daí a necessidade urgente de ampliação de mercados e formalização do extrativismo sustentável dos produtos da sociobiodiversidade.

Há um longo caminho a ser percorrido. Além da divulgação dos produtos e da criação de mercado consumidor, a organização da atividade extrativista para o acesso aos mercados formais exige uma boa dose de vontade política para a superação de entraves que impedem o desenvolvimento do setor. Os grupos produtivos que estão trilhando esse caminho encontram hoje várias dificuldades como: a inadequação dos marcos sanitários para a produção comunitária/familiar, a ausência de infraestrutura pública (meios de escoamento/estradas), dificuldade de acesso a crédito, falta de assistência técnica, a alta carga tributária, a dificuldade de acesso às políticas públicas para a agricultura familiar (DAP, PAA, PNAE, PGPM Bio), a deficiência da educação do campo para a formação de quadros administrativos, a inexistência de marco legal para a formalização da meliponicultura, questões fundiárias, a dificuldade de acesso às áreas de coleta, dentre muitos outros.

Com o intuito de superar estes desafios, o Instituto Sociedade, População e Natureza está desenvolvendo o portal Cerratinga com o objetivo de divulgar toda essa riqueza para os consumidores brasileiros. Esperamos contribuir para a viabilização da atividade extrativista e despertar a atenção do consumidor ao enorme potencial da nossa mega-biodiversidade, para garantir a melhoria de vida das comunidades rurais e a conservação dos biomas por meio do uso sustentável dos seus recursos.

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